Como fazer os europeus, e não só, compreender a actual situação francesa?

Em todos os continentes, as imagens circulam agora à velocidade da luz. Quando, nas ruas das cidades, os cidadãos do mundo aparecem em número e manifestam os seus protestos contra as decisões de um Estado ou do seu governo, as semelhanças entre as manifestações de um país e as manifestações de outro podem levar a pensar que os motivos são equivalentes, que as condições são idênticas ou quase idênticas. Assim, algumas pessoas não hesitam em traçar uma linha de igualdade entre todas as manifestações de massas, enquanto que existe um fosso entre as manifestações na Bolívia contra Evo Morales, porque foram sobretudo manifestações da extrema-direita naquele país, e as que estão actualmente a decorrer em França, que são levadas pela esquerda real, apoiada, em palavras e em princípio, pela maioria da população, sem que esta última, no entanto, saia para a rua. Com efeito, as sondagens de opinião indicam que estas manifestações, as greves, os bloqueios, a rejeição da reforma das pensões e, mais amplamente, da política neoliberal (este capitalismo radicalizado), são apoiadas por quase 70% da população adulta, mas, nas ruas, não vemos nem estes 70%, nem mesmo os 50% destes 70% (o que mudaria tudo). Como em todos os grandes fenómenos históricos, é portanto uma minoria que está presente, que se exprime, que actua, mas uma minoria que é representativa, e de si mesma, e mais amplamente, uma vez que este apoio da maioria cívica é portanto conhecido, reconhecido.

Os cidadãos do mundo, que não são franceses, que tomaram consciência destes factos, interrogaram-se sobre as causas desta situação, sobre o nível de conflito entre a população envolvida e o Estado, o governo. É porque, assim que algo está fora de vista, também está fora de si, porque não conhecemos os detalhes que fazem tudo, que são tudo. Quando olhamos para quadros que apreciamos, adoramo-los pelo luxo dos detalhes que compõem o todo, e o mesmo se aplica a belas fotografias. No entanto, quando olhamos para situações históricas a partir do exterior, habituámo-nos a ver apenas traços parciais, os esqueletos dos factos e acontecimentos, enquanto que todos eles são feitos de carne e osso, mesmo quando, como neste caso, esta carne e osso são feridos por golpes de Estado. Nos últimos meses, como antes das eleições presidenciais de 2022, os meios de comunicação não franceses apresentaram o actual presidente da República Francesa como um “progressista”, um homem que, por não ser da extrema direita, como o seu adversário na segunda volta, Marine Le Pen, não era portanto ele próprio da extrema direita, e por isso era caracterizado como um “político de esquerda” ou “centro-direita”, no máximo. Mas tal apresentação era claramente ignorante de tantas características próprias de Emmanuel Macron, ou uma mentira, destinada a distorcer as representações das realidades políticas francesas.

Se não quisermos impor aos leitores não franceses um texto demasiado longo, e embora sejam necessários desenvolvimentos e argumentos para cada uma das afirmações, devemos portanto dizer que vamos avançar com uma série de propostas, oferecidas para diálogo, avaliação e crítica, sobre as quais somos capazes de fornecer elementos convincentes. A França é um dos dois antigos, primeiro, impérios coloniais europeus, juntamente com a Inglaterra, e tem sido, desde há pouco tempo. Esta colonização foi levada a cabo por um estado militar altamente desenvolvido. A descolonização das antigas colónias francesas teve pelo menos dois destinos: o primeiro, com os países da ex-Indochina, foi uma descolonização completa, o segundo, com os países colonizados em África, África Negra, África do Norte, foi uma descolonização de fachada, com retransmissores locais. Envolvida numa trágica competição com a Inglaterra e a Alemanha, esta última desejava uma primeira guerra mundial para obter uma nova vitória contra a França, após a guerra de 1870, a fim de tirar as suas colónias, mas falhou. 20 anos mais tarde, recomeçou, com um projecto sem precedentes, uma vontade de colonizar toda a Europa, pelo menos, se não o planeta. Este excesso colonial falhou, mas as duas guerras causaram a queda da França, inclusive através dos erros e erros dos seus líderes. Numa tentativa de manter a Argélia em França, os colonos franceses na Argélia obtiveram um golpe de Estado para pôr fim à Quarta República em 1958, a fim de levar ao poder o General De Gaulle, ele próprio actor e pensador de uma certa extrema-direita. Para aceitar este contrato, exigiu que fosse redigida uma nova constituição para lhe dar plena liberdade na gestão do poder político. Foi isto que lhe foi concedido, com a Constituição da 5ª República. Esta Constituição é antidemocrática nos seus princípios desde o seu início. No seio da Assembleia dos representantes eleitos do povo, o Estado decide e os representantes eleitos assinam. As discussões são uma comédia. Com um artigo da Constituição, o governo disse, mais uma vez: não há necessidade de perder tempo, utilizamos este artigo, e a lei é aprovada, sem votação. Porquê dar-se ao trabalho de fazer uma lei com outros grupos políticos, quando se pode escrevê-la e aprová-la você mesmo? Eu escrevo, e valido a minha escrita para todos: este é o nome de uma ditadura, entre todas as formas possíveis de ditadura. Mais uma vez, um Estado “forte” e autoritário, apoiado por uma poderosa força policial e exército, impôs-se aos franceses.

Mais uma vez. Porque, de Luís XIV a Napoleão I, a Napoleão III, a Philippe Pétain, passando por Carlos X, Luís Philippe, França terá sido um Estado “forte”, forte, CONTRA a população maioritária, e, por vezes, infelizmente, também contra outros povos, também brutalizado. A “tradição” francesa reside num tal Estado, em armas e exércitos. Mas para esconder este facto, tem havido procedimentos hábeis: a “Declaração dos Direitos Humanos” podia ser pronunciada enquanto a escravatura ainda era abundante; a própria “República” podia ser pronunciada enquanto a sua negação era de facto organizada, especialmente quando foi proclamada, “social”, após a Segunda Guerra Mundial, o que nunca foi, se se estiver disposto a olhar para além das aparências. Intelectuais franceses: no estrangeiro, a grande maioria dos que eram conhecidos eram progressistas, pelo que era possível dar a impressão de que o mundo intelectual francês era dominado por este progressivismo, enquanto que uma das correntes intelectuais mais fortes, desde o passado até hoje, era a dos reaccionários, em particular os reaccionários que, no século XIX, produziram as doutrinas do racismo. A actual presidência faz parte desta “tradição” francesa, radicalmente, deliberadamente, absolutamente antidemocrática. Será que o inquilino do Eliseu soube que um intelectual de extrema-direita tinha sido insultado numa rua? Ele pegou no telefone para lhe telefonar e o apoiar. Para mulheres e homens atacados pela extrema-direita nos últimos meses, ele não pegou no telefone. O actual ministro da polícia é conhecido pelo seu pensamento da extrema-direita. E tudo isto é consistente com o “neoliberalismo”, esse capitalismo desenfreado: não é por acaso que foi teorizado pela escola de Chicago, e que foram ao Chile de Pinochet para o aconselhar na organização deste estado fascista. Ao contrário do que se poderia pensar, inclusive por causa das actuais mobilizações, a França caiu na linha da Europa ao tornar-se, mais uma vez, um Estado dirigido por vários grupos de extrema-direita, mas ao fazê-lo, apenas prolongou a sua triste história, com tão pouco “esclarecimento”. Agora, este velho mundo enfrenta um problema: a juventude em França, e, para além disso, a juventude do mundo (por exemplo, em África), está totalmente isolada dos seus princípios, referências, práticas. A fractura geracional e social já é enorme, e as suas promessas aprofundadas, como acontece com as falhas sísmicas, um terramoto. Aparentemente, já começou. O actual presidente “jovem” está de facto do lado deste mundo velho, largamente dominante, com o capitalismo, e este, como sempre, nega que qualquer outra forma, humana, vital, existe. No entanto, o capitalismo não nasceu com a humanidade. Havia um antes, e pode haver um depois. E depois de quê? Isso é outra história.

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Texte français original :

Comment faire comprendre aux Européens, et au-delà, la situation française actuelle ? 

Sur tous les continents, les images circulent désormais à la vitesse de la lumière. Quand, dans les rues des villes, des citoyens du monde surgissent en nombre et expriment des protestations contre des décisions d’un Etat, de son gouvernement, les ressemblances entre les manifestations des uns et les manifestations des autres peuvent laisser penser que les motifs sont équivalents, que les conditions sont identiques ou presque. Ainsi, certains n’hésitent pas à tirer un trait d’égalité entre toutes les manifestations de masse, alors qu’il y a un gouffre entre les manifestations en Bolivie, contre Evo Morales, parce qu’il s’agissait avant tout de manifestations de l’extrême droite de ce pays, et celles qui se produisent actuellement en France, lesquelles sont portées par la gauche réelle, soutenue, en parole et en principe, par la majorité de la population, sans que toutefois celle-ci descende dans les rues. En effet, les enquêtes d’opinion indiquent que ces manifestations, les grèves, les blocages, le rejet de la réforme sur les retraites, et, plus largement, de la politique néo-libérale (ce capitalisme radicalisé), sont soutenus par près de 70% de la population adulte, mais, dans les rues, on ne voit ni ces 70%, ni même les 50% de ces 70% (ce qui, pourtant, changerait tout). Comme dans tous les phénomènes historiques majeurs, c’est donc une minorité qui est présente, s’exprime, agit, mais une minorité qui est représentative, et d’elle-même, et plus largement, puisque ce soutien de la majorité civique est donc connu, reconnu. 

Des citoyens du monde, qui ne sont pas français, qui ont pris connaissance de ces faits, se sont interrogés sur les causes de cette situation, sur le niveau de conflit, entre la population engagée, et l’Etat, le gouvernement. C’est que, dès lors que quelque chose est loin des yeux, il est aussi loin de la « tête », de la raison, parce que nous ne connaissons pas les détails qui font tout, qui sont tout. Quand nous regardons des tableaux que nous chérissons, nous les aimons par le luxe de détails qui en composent l’ensemble, de même pour de très belles photographies. Or, sur des situations historiques que nous regardons également de l’extérieur, nous avons pris l’habitude de n’en voir que des traits partiels, les squelettes des faits, des évènements, alors qu’ils sont tous composés de chair et d’os, y compris quand, comme ici, ces chairs et ces os sont meurtris par des coups, d’Etat. Ces derniers mois, comme avant l’élection présidentielle de 2022, des médias, non français, ont présenté le président, actuel, de la République française, comme un « progressiste », un homme qui, parce qu’il n’était pas d’extrême-droite, comme son adversaire du second tour, Marine Le Pen, n’était donc pas lui-même d’extrême-droite, et, ainsi, par conséquent, se trouvait caractérisé par « homme politique de gauche » ou de « centre droit », au maximum. Or une telle présentation était manifestement, ou ignorante de tant de caractéristiques propres à Emmanuel Macron, ou un mensonge, destiné à fausser les représentations sur les réalités politiques françaises. 

Si nous ne voulons pas imposer aux lecteurs, non français, un texte trop long, et, bien que des développements, des arguments, soient, pour chacune des affirmations, sont nécessaires, il faut donc dire nous allons procéder par une série de propositions, offertes au dialogue, à l’évaluation, à la critique, sur lesquelles nous sommes en capacité d’apporter des éléments probants. La France est un des deux ex, premiers, empires coloniaux européens, avec l’Angleterre, et ce depuis peu. Cette colonisation a été effectuée par un Etat militaire, très développée. La décolonisation des anciennes colonies françaises a connu au moins deux destins : le premier, avec les pays de l’ex Indochine, a été une décolonisation complète, le second, avec les pays colonisés en Afrique, Afrique noire, Afrique du Nord, a été une décolonisation de façade, avec des relais locaux. Engagée dans une concurrence tragique avec l’Angleterre et l’Allemagne, celle-ci a souhaité une première guerre mondiale pour obtenir une nouvelle victoire contre la France, après la guerre de 1870, afin de lui ravir ses colonies, mais elle a échoué. 20 ans plus tard, elle a recommencé, avec un projet inédit, une volonté de coloniser l’ensemble de l’Europe, au moins, voire de la planète. Cette démesure coloniale a échoué, mais les deux guerres ont provoqué la chute de la France, y compris par les erreurs, les fautes, de ses dirigeants. Pour tenter de conserver l’Algérie dans la France, des colons français en Algérie ont obtenu qu’un coup d’Etat mette fin à la 4ème République, en 1958, et ce afin de porter au pouvoir le général De Gaulle, lui-même, acteur et penseur d’une certaine extrême-droite. Pour accepter ce contrat, il a exigé qu’une nouvelle Constitution soit écrite pour lui accorder toute latitude dans la gestion du pouvoir politique. C’est ce qui lui a été octroyé, avec la Constitution de la 5ème République. Cette Constitution n’est pas démocratique, dans ses principes, dès sa naissance. Au sein même de l’Assemblée des représentants du peuple élu, l’Etat décide, et les élus signent. Les discussions relèvent de la comédie. Avec un article de la Constitution, le gouvernement a dit, une nouvelle fois : pas la peine de perdre du temps, on use de cet article, et la loi est adoptée, sans vote. Pourquoi s’embêter à construire avec d’autres groupes politiques une loi, quand on peut l’écrire et l’adopter par soi-même ? J’écris, et je valide mon écriture pour tous : ceci est le nom d’une dictature, parmi toutes les formes possibles de dictature. Une fois de plus, un Etat « fort », autoritaire, appuyé sur une police, une armée, puissantes, s’est imposé aux Français. 

Une fois de plus. Parce que, de Louis XIV à Napoléon 1er, à Napoléon III, à Philippe Pétain, en passant par Charles X, Louis Philippe, la France aura été un Etat « fort », fort, CONTRE la population majoritaire, et, parfois, hélas aussi, contre d’autres peuples, également brutalisés. La « tradition » française réside dans un tel Etat, des armes et des armées. Mais pour masquer ce fait, il y a eu des procédés habiles : la « déclaration des Droits de l’Homme » a pu être prononcée, alors que l’esclavage sévissait encore; la « République » elle-même a pu être prononcée, alors que sa négation dans les faits était organisée, surtout quand elle fut proclamée, « sociale », après la seconde guerre mondiale, ce qu’elle ne fut, jamais, si on veut bien regarder au-delà des apparences. Des intellectuels français : à l’étranger, ceux qui furent connus furent en grande majorité des progressistes, et ainsi, on a pu donner à penser à que le monde intellectuel français était dominé par ce progressisme, alors qu’un des courants intellectuels les plus forts, du passé jusqu’à aujourd’hui, fut celui des réactionnaires, notamment de ces réactionnaires qui, au 19ème siècle, ont produit des doctrines du racisme. La présidence actuelle se situe dans cette « tradition » française, radicalement, volontairement, absolument, anti démocratique. Le locataire de l’Elysée a-t-il appris qu’un intellectuel d’extrême droite avait été insulté dans une rue ? Il a pris son téléphone pour l’appeler et le soutenir. Pour des femmes et des hommes attaqués par l’extrême droite ces derniers mois, il n’a pas pris son téléphone. Le ministre actuel des polices est connu pour sa pensée d’extrême-droite. Et tout ceci est cohérent avec le « néo-libéralisme », ce capitalisme déchaîné : ce n’est pas par hasard s’il a été théorisé par l’école de Chicago, et que ceux-ci se sont déplacés dans le Chili de Pinochet pour conseiller celui-ci dans l’organisation de cet Etat fasciste. Contrairement à ce que l’on pourrait croire, y compris en raison des mobilisations actuelles, la France est rentrée dans le rang, européen, en devenant, à nouveau, un Etat dirigé par plusieurs groupes d’extrême droite, mais en faisant cela, elle n’a fait que prolonger sa triste Histoire, avec si peu de « Lumières ». Maintenant, ce vieux monde est confronté à un problème : la jeunesse en France, et, au-delà, la jeunesse du monde (par exemple, en Afrique), est totalement coupée de ses principes, références, pratiques. La fracture, générationnelle, sociale, est déjà énorme, et son approfondissement promet, comme pour les failles sismiques, un tremblement de terre. Il a, apparemment, commencé. Le président actuel, « jeune » est en fait rangé du côté de ce vieux monde, très largement dominant, avec le capitalisme, et celui-ci, comme toujours, nie que tout autre voie, humaine, vitale, existe. Pourtant, le capitalisme n’est pas né avec l’Humanité. Il y a eu un avant, et, il peut y avoir un après. Quel après ? C’est une autre… histoire. 


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